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quinta-feira, 11 de abril de 2013

O Pai Nosso - Uma Antropologia do Desejo ( 1° parte)

“Quando se fala de antropologia, está se falando do ser humano; e quando se fala no ser humano, está se falando também de um desejo que o anima. O homem é uma antropologia do desejo. A gente se torna aquilo que deseja e aquilo que ama: isso é um ser humano aberto para a divindade, e o seu desejo se expressa através da oração. E por isso podemos dizer que o Pai Nosso expressa o desejo de Cristo, enquanto um arquétipo da síntese, como dizem os precursores da igreja: no Seu desejo então, expressa o desejo mais profundo dos seres humanos. É por essa razão que o conhecimento do Pai Nosso é importante, para que conheçamos o desejo de Cristo, e também para conhecermos o desejo profundo que habita o coração de todos os seres humanos. Aqui, desejo corresponde a cada palavra do Pai Nosso”.
Seminário com Jean-Yves, em Fortaleza (CE): (13.09.2002)
(Após a apresentação musical instrumental de crianças). Este espaço está de festa, em busca da travessia. Depois do convite das crianças para escutar a música e dançar, não é fácil voltar para a mente.
Um sábio indiano disse: “Quando um ser humano cresce, a divindade desce para recebê-lo”.
A dança é terapeuta. Um terapeuta é o que alivia o sofrimento.
E vem a pergunta:
O que é um ser humano?
Diz Aristóteles que é um animal racional, mas não temos bem certeza disso, porque sabemos das irracionalidades que ele comete.
Homo sapiens ou homo demens ?

O ser humano é um animal insatisfeito. Porque não se contenta com a água e o sol, assim como a planta. O ser humano tem necessidades. E o objeto que satisfaz as suas necessidades não satisfaz o desejo. O homem é o ser do desejo.

E onde se enraíza o desejo?

Psicanaliticamente, o desejo se enraíza no ID que é o princípio do prazer, da vitalidade, da expressão, da expansão.

Tem o desejo que vem do Ego – que é o desejo de reconhecimento e afirmação.

Tem o desejo que vem do Self – desejo de inteireza, de realização, de plenitude.

Tem o desejo que vem do outro – desejo do amor – o outro lhe faz falta.

O ser humano não é apenas um ser que o outro lhe faz falta.

Temos a capacidade de amar o outro na sua alteridade.

O outro não é feito para ser possuído.

O meu desejo é a minha prece.

É importante distinguirmos a diferença entre necessidade e demanda.

A necessidade se satisfaz com o objeto. Se eu tenho fome, o pão me satisfaz.

Porém a demanda é algo que envolve reconhecimento.

O homem diz para a mulher: “Você tem jóias, casa. Não lhe falta nada”. O homem só satisfaz a necessidade. O desejo está além da necessidade e da demanda.

Para S. João, Jesus é o verbo encarnado, a informação criativa.

Dizia Santo Agostinho: “Minha oração é o meu desejo e o meu desejo é a minha oração”.

Existe o desejo do homem para ir, em direção à totalidade do outro. O desejo que habita nas profundezas do coração. E isso não desclassifica outros desejos.

O que este desejo pode nos revelar?

O desejo de conhecer a Deus.

Deus é impossível de se compreendido na sua totalidade. Deus não se reduz no conhecido ao nosso conceito. Deus não pode ser reduzido. Nossa representação de Deus não é absoluta. As nossas representações de Deus, nós tomamos como se fossem Deus. Deus é muito mais que todas elas.

A oração é uma forma de entrar no desejo de Deus.

Quem é este ser que reza?

Quem é este que está aberto à transcendência?

João dizia que Jesus era o verbo encarnado.

O Pai Nosso é um texto importante na teologia.

É também um texto importante na antropologia.

Como posso ler o Pai Nosso nos diferentes níveis?

(Pai Nosso significa que o demônio não está nele).

Ao rezarmos vamos ao centro profundo do nosso desejo. Pai Nosso é a oração do filho de Deus dentro de nós. Pai nosso expressa a direção do ser humano para o absoluto.

“AUM” significa Pai Nosso.

Vamos escutar o Pai Nosso em aramaico que era a língua de Jesus. Antes de escutar as palavras, é bom escutar o som. O som se torna uma palavra.

(Jean-Yves canta o Pai Nosso em aramaico)

 
 


PAI NOSSO QUE ESTÁS NOS CÉUS.


O texto que conhecemos é o grego. Qualquer que seja a nossa língua, vamos entrar no Pai Nosso.

A gente não sabe o que Jesus falou e sim o que alguém escutou. Não idolatre o Evangelho. A palavra é como o outro percebe.

O Pai nosso abre o seu coração na vertical e na horizontal.

Ao dizer Pai Nosso, não estamos sozinhos. O meu pai, é o nosso pai. Jesus é o filho mais velho de uma multidão de irmãos. O pai e eu somos um. A fonte da vida que pulsa no meu coração, não está separada da Grande Fonte da Vida. A Sua origem é a minha origem. Antes de desenhar a vertical, relação com a Fonte Criadora, desenhar a horizontal, relação com as criaturas. A cruz é a união da imanência com a transcendência, do humano com o divino, do todo outro e o todo nosso.



Quando eu falo Pai Nosso, o mundo inteiro está presente. É preciso tempo para colher no meu coração, todos os irmãos, os vales, os animais, as plantas. Não é porque se fecham os olhos que a luz não existe. Qualquer que seja a nossa fé, o importante é a qualidade da nossa humanidade.



“Logos” significa a luz que habita em todos os seres, os seres que tem dentro de si o desejo de luz. O “logos” que está em mim, em você, também, está na estrela. Todo ser que se eleva, eleva o mundo.

A reza é a relação da existência mortal com tudo que existe. Cada vez que se reza toda a humanidade reza. Toda pessoa que reorienta o seu desejo, coloca-o em contato com a Fonte do Ser. O ser humano é esse espaço onde o universo toma consciência de si mesmo, esse espaço onde o universo se religa com a Fonte, onde o próprio ser humano toma conhecimento de si mesmo. O ser humano é o lugar onde o universo reza. Rezamos pelo bem estar do universo através de nós. Quando rezamos o Pai Nosso, reencontramos a dignidade de Deus dentro de nós. Reencontramos a identidade ontológica e não a identidade individual passageira.

Deus não pode ser reduzido às palavras que se reportam ao mundo relativo. Deus está além do que se possa falar, imaginar e deduzir.


A palavra Pai chama a palavra mãe e vice-versa. “Liberte-se diante da palavra”. Se o pai é ruim, a criança não aceita que Deus seja pai.

Qual a função do pai?

Jesus vivia na sociedade patriarcal e preferiu a palavra Pai.

No enfoque da psicanálise, o pai diferencia a criança da mãe. O pai dá um nome próprio, que é diferente da mãe, e dar o nome é reconhecer o homem como o sujeito do desejo. O pai nem sempre é o genitor; e o genitor pode não ser um pai. Não há pai se não há o reconhecimento da mãe.

Quem é o pai?

O que deu a vida ou a mamadeira?

O que se ocupou com a criança é o que a mãe reconhece. O pai é aquele que ama a mãe e a criança, é o que tem desejo pela mãe e pela criança. O pai reconhece o sujeito do desejo e não o objeto de uma fabricação. Não é pelo fato de que uma filha não me reconhece que eu vou deixar de ser pai dela.


Em que momento a gente inventou o pecado?

Rei Davi tomou Jerusalém, então neste momento se começou a escrever a Bíblia.

ABBA é a palavra de um bebê, uma palavra que ainda não está articulada. ABBA é o não manifestado e o manifestado; na tradição hebraica, A = o Inefável, o Silêncio, e B = a primeira letra do Torá. O balbuciar da criança é uma oração não articulada em direção à casa, ao outro que é chamado, ao não manifestado e ao manifestado. ABBA é o que não se pode imaginar. Sempre existe algo antes do começo. Você está comigo, mesmo que eu não o sinta. Deus nos chama a fazer um movimento contra o sofrimento.

Na experiência da cruz, Jesus balbuciava ao Pai: ABBA (“Perdoai, eles não sabem o que fazem” – “Afasta de mim esse cálice” – “Eu entrego meu espírito em suas mãos”). E ouvia do Pai: “Eu te abençôo”.

Se eu não posso fazer mais nada, então que eu pelo menos, possa ter consciência. Consciência para que eu seja sujeito do meu sofrimento. A consciência que sofre, é mais forte do que a doença. E assim, eu possa estar no céu. O céu não é o que está acima da nossa cabeça e sim, o espaço dentro de nós, onde a vida é engendrada; o espaço de onde brota o nosso sopro e para onde vai o nosso último sopro.

O erro é esquecer a realidade contrária. O evangelho é paradoxal. Vamos então perceber a realidade contrária na frase: “Honrar pai e mãe e não chamar ninguém de pai”. Precisamos encontrar a nossa própria individualidade. Não fique misturado no desejo do pai e da mãe.

Pai e mãe terrestre são meios que dão a vida. Na verdade, somos filhos do vento, do sol, da terra... do desconhecido. Não devemos tomar o reflexo como se fosse a luz, precisamos nos colocar em direção à luz.

O importante é estar na escuta do desejo da criança divina que está dentro de nós. Invocar Deus como Pai, é acessar o coração do mundo. 
 

Uma das questões que mais me colocam os jornalistas é:

Qual é o elo que existe entre o nosso desejo e o Pai Nosso?

Como se a gente não pudesse imaginar uma oração que se enraíze dentro do desejo profundo do ser humano, e como se a gente não pudesse imaginar um desejo que se abre na dimensão da oração. Isto é, um sinal de integrar em nós todos, as três dimensões: corporal, psicológica e espiritual.

O ser humano é composto por todas estas dimensões e o desejo se enraíza nos corpos, atravessa nossas memórias e o nosso psiquismo, e pode se abrir à dimensão transcendental.



O Pai Nosso exprime bem todas as dimensões do desejo, porque existe no Pai Nosso, a expressão do desejo de um alimento, um desejo de perdão, um desejo de liberdade, de ser capaz de perdoar, de ser liberto do sofrimento, de não se deixar escravizar pelas dificuldades. Aquele desejo que faz brotar em nós outro espírito, e que é maior que o passado e que o nosso inconsciente. E que se enraízam na humanidade de Cristo.

Vimos que o desejo era orientado na direção de tudo que é a fonte, onde tudo vive e respira. Não é algo abstrato e sim um Pai, uma Presença que nos fundamenta enquanto sujeito. Nós não somos o resultado do acaso e da necessidade, e sim o nosso nome. É isso que simboliza o Nome do Pai. Trata-se de um Pai que está no céu.

Na oração, está no plural (Pai nosso que estás nos céus) e faz lembrar que existem muitos céus, que são espaços de consciência e de silêncio. Cada céu é um estado de consciência. É o espaço interior de nós mesmos. No evangelho Jesus nos convida a olhar esse Pai, onde estão os segredos. O céu é a dimensão secreta do ser humano. É o espaço de onde vem o pensamento, de onde vem o sopro, e para onde o sopro retorna. E por esta razão, buscar o céu, não se trata do céu em cima da nossa cabeça. É o espaço para onde a expiração retorna. A vida tem apenas um sopro.

De onde vem e para onde ele vai, o nosso sopro?

Conhecer este espaço é entrar em contato com este Pai que está no céu. A gente compreende mais as coisas quando vivencia e experiencia. Este espaço silencioso de onde vem o sopro e para onde vai retornar. Nós já somos, já estamos no lugar para onde vamos quando a gente morrer. “Eu vou em direção ao Pai”. Vou no lugar para onde vai a nossa expiração. Se a pessoa conhecer o espaço para onde a expiração vai, já se conecta com o espaço para onde vamos na morte. Pai nosso que estás no céu.

 
SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME
Seja em hebreu ou em grego, existe esta lembrança da importância do nome. Ontem falávamos que o pai é aquele que nós dá o nome. Que nos faz lembrar que somos o sujeito de um desejo e não um objeto de fabricação.

Moisés recebeu o nome que significa “salvo das águas”. Ele pode pedir da fonte do ser, o seu nome. O nome que é revelado a Moises a gente pode traduzir como “Eu Sou Aquele que Eu Sou”.

Foi dito a Abraão: “Caminha comigo e com a minha presença, e caminhando comigo, você vai descobrir quem Eu sou, como é o Meu nome”. O nome é um caminho: o nosso caminho é o nome, e o nome é o nosso caminho, é o que vai se tornar a ser.

Existem pessoas que não gostam do seu nome, e tudo depende da forma como somos chamados. Às vezes é apenas uma etiqueta social. Mas o nome é como o nosso programa genético: o que virá a ser. O nome é algo importante. Ele traz em si a presença do espírito que é invocado. Por isto que é importante não chamar o bebê de qualquer maneira.


Que nome podemos dar a Deus?

No encontro com Moisés ele se revela como o Ser, Aquele que É, Aquele que Vai Ser. No Apocalipse a gente vai retomar este nome: Ele era, Ele é e Ele será. O passado, o presente e o futuro. É importante para nós lembrarmos que Deus é aquilo que está em tudo que nos chega. Não é apenas a origem, é também aquilo que estamos indo a se tornar. Eu sou o que serei para você. Eu sou aquilo que se torna em você.

No texto bíblico existe dez nomes de Deus.

O primeiro nome é YHWH. É um nome impronunciável. O inefável. É a lembrança de que Deus está para além de qualquer nome.

O segundo é EHYEH, que fala não no seu nascimento, mas da sua qualidade. Um caminho que orienta o nosso devir. O ser que faz ser.

O terceiro nome é YAH = aleluia, que significa louvor Àquele que há. Contém o feminino e o masculino. É palavra que indica a harmonia. É por esta razão que no livro do Gêneses, o encontro entre o homem e a mulher é a imagem de Deus. No nome de Deus existe essa unidade do masculino e feminino. Existe uma aliança que está no coração de Deus, quando dois seres se encontram profundamente.

O quarto nome, EL, indica a orientação do coração. Nós somos o que somos, mas o que somos é um devir.

Em quinto, ADONAI, é o nome que significa Kyrie, o Senhor. Senhor dos mundos. O mestre dos meus desejos. Quem é meu senhor? Quem é meu mestre? Quem está orientando meu desejo? É importante conhecer o Adonai.

O sexto nome é CHADDAI e significa seio, seio da mãe. Que nos faz lembrar da dimensão materna de Deus. Cada um dos nomes é uma forma de experienciar o Ser. Algumas vezes a gente sente como se estivesse envolvido, protegido, como uma criança no seio da mãe, num momento de abandono e repouso. Isso é fazer a experiência do Chaddai..

O sétimo nome, SHABAOT, o deus dos exércitos (hierarquias). No texto bíblico, é o exército de planos angélicos. Da ordem dos anjos. Cada anjo tem um nível de ser – um plano de consciência.

Em alguns momentos a nossa inteligência é mais vasta do que nossa inteligência habitual, e temos uma compreensão mais ampla do mundo. É a experiência do Querubim. Esta experiência se mostra quando somos capazes de amar além dos limites.

Existe também a experiência dos Serafins, que se deu com S.Francisco, no momento em que suas mãos se abriram e receberam todos os sinais da presença de Cristo. O psiquismo humano pode se abrir para algo que é maior que ele.

O nosso universo se constitui de diferentes níveis de ser: o mundo mineral, o mundo animal e vegetal; também entre nós existem mundos divididos por outros mundos. Entre os mundos existe uma ordem que obedece às leis e estabelece a ponte entre os mundos.

Existe uma ponte entre o mais celestial e o mais terrestre. Nós somos todos destinados a nos tornarmos soberanos pontífices (nos tornarmos elos). É preciso estabelecer a ponte entre o visível e o invisível. Neste momento entre em contado com o Deus, o Shabaot ou Tseuxot.

O exército do ser, das letras, das palavras, da escritura, é aquele que estabelece o elo entre os diferentes pontos, e que faz ter sentido uma palavra.

O oitavo nome é ELOHIM. A palavra está no plural e nos faz lembrar que existe mais de um Deus. No Deus UNO existe uma pluralidade de energia. A tradução do nome é “os deuses que criam Deus é uma energia criadora”. Existe só um sol, mas uma multidão de raios de sol. Entre em comunhão com as energias da natureza, sabendo que o centro do sol está sempre inacessível. O sentido de Deus é inacessível como a criação do sol. O que se conhece de Deus não é sua essência, mas sua energia. São os raios do sol. As energias de Deus também são raios de sol. Os raios de sol nos fazem perceber dentro de cada um, a capacidade - o que a gente pode perceber de deus.

O poeta Rilke diz que “Deus é uma direção, uma orientação em direção ao interior de nós mesmos”. É por isso que é importante o nosso desejo. Pois é através de nosso desejo que a nossa vida se orienta. Acorde o desejo dentro de você

O nono nome é YESHOUA, que significa Divino. Usa quatro letras do tetagrama. Dentro do coração das quatro letras, tem uma letra que significa que o fundo do ser é cura, é liberdade, é por esta razão que vamos traduzir o nome de Jesus como Deus libertador. Há em nós uma experiência que nos faz provar a experiência de Deus. Uma experiência de liberdade. E isto nos aproxima de Deus.

O décimo nome é ABBA, sobre o qual já nos referimos antes.

Santificado seja o Vosso nome, o nome que Jesus mais particularmente vai evocar: Eu Sou, Aquele que envolve, Aquele que liberta, vai ser o nome do Pai.

É interessante dizer que o nome do Pai, introduz o feminino em Deus. Aquilo que faz do homem o pai, é a presença da mulher. Sem a mulher não existe um pai. Não existe pai sem mãe e vice-versa. Você pode ter uma mulher sem homem, ou um homem sem mulher, mas não pode ser pai, sem mãe.

Então, o que Jesus nos lembra é que o nome que ele deseja santificar, é o nome da relação, da relação de amor. Existe uma relação de amor que engendra o mundo.

Isto me faz pensar no mundo que estamos vivendo. Hoje em dia, tem muitos homens que gostariam de ser pai , sem ter uma mulher. Procura-se, nos jornais, um genitor. Procura-se um útero de aluguel, mas não uma mãe. A gente perdeu o sentido da palavra pai e mãe.

Quando Jesus se dirige a Deus como um pai, não é um pai celibatário. Jesus introduziu o feminino. A origem da terra é relação. Isto existe na física atômica. - O átomo não existe por ele mesmo, ele está em relação com aquilo que o envolve. A gente nasceu de uma relação, nossos encontros são como ecos de átomo fundador.

A gente precisa santificar a relação. Todos nascemos de uma relação. O evangelho de Felipe insiste na relação entre o homem e a mulher; mesmo difícil de realizar, é na relação deste encontro que Deus existe.

Então temos de santificar o nome, todos os nomes de Deus, mais particularmente o nome do amor. Esta é uma nova maneira de falar de amor.

Na origem do mundo existe o amor incondicional do pai e mãe - é como um eco.

Seja santificado. O que quer dizer a palavra “santificado”? Literalmente, “o povo separado”. Em hebreu, o povo santo. Alguém diferente. Quando a gente fala de um povo santo é um povo diferente, separado. O santo não é aquele que tem muitas virtudes. É alguém que tem uma outra maneira de agir no coração do mundo, que introduz o amor onde não há o amor. Que introduz a compreensão onde só existe revolta. Santificar o nome é reconhecer aquilo que ele tem de diferente. Através do nome nós nos diferenciamos um dos outros. E isto é uma diferenciação. Por isto é que é importante ser reconhecido pelo nosso nome.

Maria Madalena, no dia da ressurreição, ela reconhece Jesus na hora que ele diz o seu nome. Santificar Deus é reconhecer que ele é diferente. É reconhecer aquilo que ele tem de incomparável.

A gente vive comparando as coisas e pessoas, mas a santidade, é incomparável. Quando se ama alguém, existe algo que nos escapa e é isto que eu não posso reduzir ao conhecimento que eu tenho do outro, e que é incomparável.

Precisamos honrar e santificar aquilo que é próprio do outro, as diferenças. Santificar o nome é colocar em prática, é experimenta-lo. E cada nome de Deus é uma experiência de harmonia, de orientação. Experimentar o nome do Pai é fazer a experiência da fecundidade e do amor incondicional. Ser fecundo nem sempre quer dizer fazer criança embora isto seja muito importante. Existe uma fecundidade criativa no mundo da arte e da ciência; e voltamos ao ensinamento do gênesis.

Trata-se de frutificar, de trazer frutos, de florescer. Isto significa tornar-se fecundo.O amor é criador e fecundo, no amor e na inteligência criativa de Deus.

Jesus é aquele que vem revelar o nome do Pai. Na sua vida ele vai encarnar todas as realidades que serão evocadas com seu nome: “o convite para a palavra”, onde todas as pessoas se lembraram da sua identidade divina, de cada uma das palavras; e se for colocada em prática, a vida pode ser frutificada, o nome santificado. É o filho que manifesta as profundidades do ser.

“Eu vim para mostrar a vida em abundância”, diz Jesus.

VENHA A NÓS O VOSSO REINO.

Diante disso nos perguntamos: O que reina em nós?

Antes de falar do reino de Deus, é importante saber o que está reinando sobre o nosso espírito e nosso desejo.

O que reina é o passado e o inconsciente. A gente não faz o que quer. Existem memórias que nos condicionam.

Como deixar de viver sobre os grilhões do passado?

Abrir o inconsciente e entrar no reino do espírito. Venha nós o Teu espírito santo. Que seja o Teu espírito que reina em mim. Para um de nós o reino, é uma mulher que nos dirige. Para alguns o que reina é uma ideologia em forma de pensamento.

O que reina sobre nós?

Algumas vezes, quem reina sobre nós é a sombra. Na passagem trata de lembrar que não existe um possuir Deus. Deus é aquele que liberta. Isto faz toda a diferença entre um tirano e um rei. O Faraó é o que nos reduz a uma escravidão. E Jesus é o que nos transforma em seres livres. O nosso faraó muitas vezes é o nosso ego. O ego pode nos dirigir. Pode ser ainda uma coisa mais profunda.

A gente não é só dirigido por algo exterior, uma mulher, uma ideologia, ou espíritos que se infiltram, ou um passado, mas por um sopro, uma inspiração, e então podemos falar no reino de Deus. O que nos torna leve e nos faz respirar profundamente e amplamente. Num certo momento da vida, isto respira dentro de nós. O desejo de Cristo é essa libertação do ser humano, a fim de que possa reinar dentro de nós com o sopro Dele, e isso nos conduz.

SEJA FEITA A NOSSA VONTADE.

Que a gênese do Seu desejo se realize em mim. Que se realize o Teu bom prazer. Pede a Deus que esteja vivo dentro de nós.

O que Deus quer? E tudo depende novamente da imagem que se tem de Deus. Quando se pergunta: O que Deus quer de mim? Eu deverei perguntar o que o amor quer de mim? O que o amor está me pedindo? Em que direção, a que atitude este amor está me conduzindo? Escutar esta vontade do amor dentro de mim.

E às vezes acontecem conflitos entre a vontade do meu ego, a vontade minha, limitada e a vontade incondicional.

Jesus disse, no momento da vontade humana: “Afasta de mim este cálice Pai”. Jesus não queria sofrer e isto é uma saúde boa. Jesus não era masoquista, assim como cada um de nós. Se estivermos com saúde psíquica a gente não quer sofrer.

Mas em certo momento a gente não pode evitar. Queiramos ou não, nós vamos fazer esta experiência. É o momento de fazer um acordo da nossa vontade com uma vontade mais alta que contém o bom e o mal. A vida e a morte. É por esta razão que Jesus diz não. “Não mais minha vontade seja feita, mas a Sua vontade”.

É a vontade daquele que chega e diz: Eu fiz tudo para me curar e não há mais nada que eu possa fazer, então que seja feito o que deve fazer. E o homem entra em contato com a sua transcendência. Passa de uma vida de submissão para uma vida de escolha. Da terra de escravidão para a terra da liberdade. Isto passa pelo exercício da nossa vontade, da nossa aquiescência. Não só eu devo submeter-me aquilo que está chegando para mim, mas eu posso desposar aquilo que está vindo para mim.

Eu passo a deixar de ser objeto para ser sujeito da circunstância.

No nível humano a gente não compreende o que está chegando para nós. Este é o momento de abrir a consciência para uma consciência mais elevada, mais ampla, para a presença de Deus em nós.

Fazer de todas as coisas um momento de consciência e amor. Eu posso fazer de todas as coisas, uma ocasião de crescer. E esta é vontade de Deus. A vontade de Deus no interior de uma semente de carvalho, é de tornar-se um carvalho. A vontade de Deus sobre o nós, é aquilo que trazemos dentro do código genético. Obedecer a vontade de Deus é obedecer a esta seiva que está dentro de nós e que sobe em direção à Luz. É a vontade do vivente. É a vontade do amor que está em nós.

Pergunta: - O que significa comunhão?

Quando sentimos a presença de alguém muito querido, esse é um estado de comunhão.

Podemos estar em comunhão com todos, na comunhão dos santos no nível familiar e em outros níveis.

E nós podemos nos sentir em comunhão como S. Francisco de Assis: quando se olha um pássaro e o nosso coração se alarga. Neste momento, pensamos da mesma maneira como pensava S. Francisco e entramos em comunhão com Ele. No nosso campo vibratório, nos colocamos em harmonia com esta pessoa e sentimos esta presença.

Há também uma comunhão dos santos no sentido teológico, espiritual e cósmico. Sentimos uma comunhão com o espírito da montanha, que se revela a nós como um ser vivo. Podemos viver a comunhão do espírito na natureza. Na missa ocorre a comunhão com Aquele que manifestou no tempo, a santidade do amor. O momento da comunhão é entrar num nível de consciência, na qualidade de presença, que é o próprio Cristo.

O corpo e o sangue, simboliza a ação e a contemplação. Viver o vinho consagrado, é ser chamado a se tornar o que Ele é. O sangue que é a vida íntima do ser humano. O vinho e o sangue simbolizam a contemplação. Somos chamados a viver a vida de Jesus na contemplação: comunhão com tudo que há, com o visível e o invisível. A comunhão dos santos é a abertura de coração no nível mais vasto de comunhão.

Pergunta - Como compreender o desejo na concepção do desapego budista?

Será que é possível conhecer um desejo sem apego?

Desejar alguém sem se tornar dependente dele, e lá você se sentir bem.

Freqüentemente se confunde o desejo com a necessidade e com a demanda.

Desejar alguém é desejar sua liberdade. É amá-lo em sua diferença e alteridade. De outra maneira não será o desejo, será a fome. Neste caso não há o desejo e sim, necessidade. Buda tinha desejo de ser livre em relação ao desejo, e o desejo de bem estar em relação a todos os seres vivos. Aí estamos no mais elevado desejo.

Tanto por trás da palavra amor como da palavra desejo, colocamos realidades diferentes. Inicialmente há o desejo do amor da criança pela sua mãe. Este amor, em grego é chamado de PORNÉIA. Esta palavra pode chocar, mas o amor da criança é o amor que procura consumir o outro para se nutrir. Ela tem necessidade de se nutrir para crescer.

Mas isto não é belo quando se encontra num bebê de 50 anos, que procura ainda consumir o outro.

Há ainda o amor que se chama EROS, o amor sagrado, o desejo da beleza.

Segundo Platão, a beleza de um corpo humano, desperta em nós a beleza do que anima esse corpo, a beleza da alma, que evoca em nós o desejo da beleza absoluta. O desejo da beleza absoluta em grego chama-se de Eros – e significa o homem que tem asas. A sexualidade e a libido orientada para o absoluto.

Existe também FILIA, amor no sentido da amizade. O amor-troca. Você me dá e eu lhe dou, a vida é uma troca. É o desejo esta troca de dois seres iguais, que partilham seus pensamentos e seus desejos. Podemos também ter o desejo da harmonia, de respirar em conjunto o sopro comum.

Finalmente temos o amor ÁGAPE, o amor do dom – não é o amor que acaba com a minha sede – não nasce na sede, não nasce da fome, não é o amor da carência. É o amor da plenitude, é quando se fala do amor de Deus. É o amor gratuito e incondicional - no budismo isto se chamará compaixão. É a qualidade do amor que deseja o bem estar de todos os seres vivos. Desejo da paz, da harmonia, o desejo do bem estar de todos. É um desejo sem apego. A flor dá o perfume, quer se respire, quer não se respire. O sol dá a luz quer abramos ou não a janela. E nós encontramos a palavra de Jesus: “Tenha o sol em vocês, o sol que brilha sobre os puros e impuros”. Esta palavra de Jesus, seis séculos antes do seu nascimento, foi a última palavra de Buda: “Tenha uma luz em vocês mesmos”. Tenha compaixão dentro de você. Isto escutado é a vontade de Deus. Deixe ser a qualidade do amor. Para o seu bem estar e bem estar de todos os seres vivos.

Pergunta - Como entender o sofrimento, as dúvidas de Santa Tereza Dávila, no “Seja feita a vossa vontade” ? Como situar o livre arbítrio nesta frase “Seja feita a nossa vontade”?.

O que pode existir entre o nosso desejo de prazer e a vontade de Deus?

Para Aristóteles e S. Tomás de Aquino, o prazer é o sinal de que uma coisa é bem feita. É sinal de que alguma coisa foi terminada, realizada.

Desta maneira o prazer é o sinal de que a vontade de deus foi feita. Para os antigos, o prazer é algo de santo, é algo sagrado, é o sinal de que a vida foi conduzida até o seu fim.

E isto se pode observar quando se faz muito bem o que se tinha de fazer: se tem vontade de agradecer .

O prazer é um sinal da presença de Deus.

O prazer é a participação sensível à beatitude.

A felicidade é uma participação psíquica à beatitude.

Alegria é uma participação noética à beatitude.

O prazer, a alegria, e a felicidade, mesmo se na nossa existência são transitórios e passageiros, devem ser considerados como prova da presença de Deus.

Quando Tereza D’Ávila vivia sem alegria e felicidade, ela sentia vontade de se confessar. É como se Deus não estivesse na sua presença.

Porque não somos felizes?

Por que as vezes somos tomados por dúvida e tristeza?

Porquê do sofrimento?

O problema de Tereza é também o nosso. O sofrimento pode ser uma ocasião de consciência, tudo o que nos acontece pode ser uma ocasião para crescermos. Se nós concordamos a nossa vontade com isto, há em nós a possibilidade de fazer com o que nos acontece, uma ocasião de consciência.

Nós podemos também entrar na revolta e fazer desse sofrimento uma ocasião de revolta, regressão e desespero. E assim nós vemos a importância do livre arbítrio.

O livre arbítrio é muito condicionado pela infância, família, religião, clima, sociedade, cultura. E alguns dirão que não têm liberdade, que é o mecanismo de repetição que o carrega. É o nosso passado que nos manipula.

O que se diz, no Evangelho e nas grandes tradições espirituais é que nós não somos totalmente condicionados. O homem é uma mistura de aventura e natureza. Não é da nossa culpa se somos feitos de mármore ou de barro; não é de nossa culpa se recebemos um código genético, todo esse condicionamento, essa matéria. O que depende de nós, é o que podemos fazer essa matéria: uma Vênus de Milo ou um martelo. É a introdução da energia na matéria. É a ação da nossa liberdade. A mesma coisa com esta matéria difícil que se chama sofrimento. Podemos fazer infelicidade, juntar sofrimento ao sofrimento, por nossos pensamentos, por nossa maneira de ver o que acontece conosco, mais sofrimento ao que nos acontece. Não somente nos deixamos carregar pelo sofrimento e também juntamos sofrimento ao sofrimento: com esta doença que vem pra nós, com esta ruptura; quer o sofrimento esteja em nível físico ou psíquico, podemos fazer dele uma situação de crescimento. E fazemos a vontade de Deus. Podemos transformar os conflitos em elementos de crescimento.

A vontade de Deus é a vontade do amor em nós, que a partir dessa doença pode nos levar a um a processo de individuação.

Num Hospital de doentes terminais, fiquei surpreso de ver que, com os mesmos sintomas, o mesmo diagnóstico, o mesmo nível de câncer, de acordo com a maneira que as pessoas vivem a doença, ela evolui diferentemente. A maneira de viver a doença tem o poder de transformação, e esse é o exercício da nossa liberdade.

E aqui lembro a experiência de Jesus, de apelar para a vontade de Deus. É passar de uma vida submissa para uma vida escolhida. Eu não escolho a doença que tenho, mas posso escolher fazer desta doença uma vida de consciência.

Que não seja a minha vontade feita , mas a Tua vontade. O que me acontece pode ser que eu não tenha desejado. Posso até querer fugir do sofrimento, mas o sofrimento está lá. Como transformá-lo? Concordando com a vontade dAquele que É, introduzindo a consciência do amor, que neste momento se revela maior que a doença . Maior que a provação.

Mas não estamos neste nível. E a questão que é colocada sobre todas as provações que ponteiam a nossa existência.

Que forma nós daremos a tudo isto?

O que me toca muito é que nada é perdido, com tudo podemos fazer luz, mesmo com nossos fracassos. O que a história nos diz senão a história do fracasso, do ensino, do amor de todos os seres e que não foi reconhecido. Jesus transformou este fracasso em via de ressurreição. Não vemos o fracasso, mas às vezes podemos perceber que este fracasso pode ser a melhor chance. Através do fracasso somos libertados das ilusões a respeito de nós mesmos. E podemos transformar o fracasso no caminho de realização. Podemos ver em nossa vida todos as provações e fazer uma oportunidade. E podemos fazer que na nossa vida, a vontade do amor se realize.

“Sois Deuses. O que eu fiz, vós também podeis fazer”.

Pergunta - O que é ser Deus?

E’ uma palavra que pode nutrir a nossa paranóia e nossa megalomania. Tem muita gente achando que é o Cristo.

Um homem, uma vez, me olhou e perguntou: - Você sabe quem eu sou? E respondi: - Me falaram que você é o Cristo. E eu quero dizer para você que eu também sou. Então começamos um pequeno curso de teologia, onde pelo batismo somos chamadas a ser filho de Deus. Lá onde eu estou eu quero que vocês estejam, também.- Jesus disse.

Algumas mulheres podem ser tomadas pelo arquétipo da grande mãe o que torna para sua criança algo difícil. Porque essa mulher pode imaginar que a sua criança não pode ser feliz sem ela. A inflação é uma patologia, um sofrimento.

São Paulo disse: “Não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”. Não é para se tomar pelo Cristo. É preciso deixar o Cristo ser, dentro de nós. É preciso deixar ficar em nós a qualidade que o Cristo encarnou. A qualidade de consciência, de paciência e de amor. Não é para se tomar pelo Cristo, mas deixar a Sua vida ficar e Ser em nós. Não é para se tomar por Deus, mas deixar ficar em nós o amor incondicional.

Na experiência da paternidade que teve Davi, neste momento ele ama o filho, mesmo que seu filho queira destruí-lo. Portanto somos chamados a participar desta vida. A participar da vida que o Cristo encarnou.

Mas isto não deverá nos conduzir a nos acharmos seres extraordinários. Diz Jesus: “Eu sou manso e humilde de coração. Aprenda de mim como ser Deus”. Queríamos que o Cristo nos ensinasse a andar sobre as águas e fazer milagres a fim de que todos nos tomássemos por Deus.

Tornar-se Deus é se tornar cada vez mais humilde, é entrar na qualidade de doçura e mansidão e comungar com a vida.

Será que é isso o que nos atrai, o que nos inspira, será que isto nos excita?

Ou será que isto nos acalma?

Isto nos leva a um estado de exaltação ou ao estado de simplicidade?

Tudo relativo à vida de Deus é cada vez mais simples.

O profeta Elias procurava a experiência de Deus e tinha na frente dele um grande furação. Deus não está no furacão. E em seguida houve um terremoto. Deus não está no terremoto. Ao final, houve um silêncio de uma pequena brisa; ele volta a entrar na gruta e reconhece Deus nesse ligeiro sopro.

Algumas vezes na nossa vida tem terremotos.A nossa existência é colocada em questão e Deus está presente lá, talvez no que tem de mais sutil.

Alguns de nós vive experiências extraordinárias, mas não são experiências profundas.

Hoje se confunde a experiência psíquica com a espiritual. A espiritual nos aproxima do silêncio e da brisa sutil.

Tornar-se Deus é estar junto da brisa leve que nos habita, que nos tornará doce e humilde de coração: o Cristo que era Ele mesmo, a imagem da grande vida. Que silenciosamente anima todas as coisas.

Escuta-se o barulho do carvalho que se abate e não se escuta o barulho da floresta que cresce. Deus está no barulho da floresta que cresce. Neste silêncio que nos faz crescer e que cada dia nos ensina a amar, na humildade, no respeito e na doçura.

DAI-NOS O PÃO NOSSO DE CADA DIA

Se nós olharmos para o texto aramaico, hebreu e grego, não se trata de pão. Pão é a partir da tradução latina de São Jerônimo, que fala do pão cotidiano.

“Artós”, como no texto hebreu é a palavra (?) que significa simplesmente alimento.

Então trata de se perguntar: O que me alimenta?

O que realmente me alimenta não apenas no nível corporal, mas no nível psíquico?

Porque o que Cristo está pedindo, o que ele deseja, não é apenas o alimento cotidiano, mas sim o alimento essencial e nesse sentido as palavras são muito precisas. Tanto em Mateus como Lucas, trata-se da palavra que quer dizer o alimento supersubstancial. Muitas vezes este sentido vem sendo esquecido na nossa tradição.

Os terapeutas do deserto diziam que não devemos esperar de Deus o pão cotidiano. Devemos ganhar com o suor do nosso rosto, é o fruto do nosso trabalho.

Não se deve trabalhar pelo alimento que perece, mas por aquele alimento que permanece na vida eterna.

S.João, no capítulo 6, diz: “Não trabalhe apenas pelo alimento que vai nutrir o teu corpo mas também para aquele que nutre a vida eterna”. Que não engorda o que vai morrer, mas que nutre o que não vai morrer nunca. Isto é o que se pede no Pai Nosso, é a nutrição em outro nível.

Diz o evangelho: “Os seus pais comeram o maná no deserto e eles morreram. O alimento que eu vou dar a vocês permanecerá em vida eterna”. Existem outras passagens a serem citadas. “Não vós inquieteis pela sua vida e pelo que tem de comer, mas buscai o reino do espírito e tudo lhe será dado por acréscimo”. Jesus não disse que a gente não tem necessidade de um alimento cotidiano, mas o ser humano não vive apenas do pão.

E essa palavra é dita ao diabo quando ele vem trocar as pedras em pão, ou seja, mostrar que se o ser humano tiver o que necessita, não haveria problemas, nem a necessidade de Deus. Como se o nosso desejo pudesse ser preenchido por objeto. Como se não existisse uma vida mais vasta que a fome de uma vida mortal. Não se trata de falar de espiritualidade para quem está com a barriga vazia. Os que têm fome devem ser alimentados. Jesus multiplicou os peixes e os pães para que cada um pudesse saciar sua fome.

Se compartilhar o que temos, vai ter para todo o mundo. O que Jesus nos lembra é que o homem não viva apenas de pão. Existe nele um desejo que não está nutrido pelas coisas materiais. Existe algo que deseja e que se alimenta de ternura, se alimenta de poesia e com a qualidade das nossas relações. Eu posso ter a barriga satisfeita, cheia, ter relações amigáveis, viver grandes amores, e mesmo assim ficar insatisfeito. É próprio do ser humano ter a insatisfação. É a lembrança do seu próprio corpo, de que ele é feito para uma realidade espiritual.

Nutrir o desejo pelo absoluto. O que a gente pede é o desejo essencial.

Dai-nos o pão nosso de cada dia. Em aramaico, dai-nos hoje o alimento de amanhã. Dai-nos de saborear hoje a existência finita, temporal; deixe-me saborear hoje, algo que não vai morrer. O sabor da eternidade.

Tudo está implícito na oração que Cristo falava e isto nos traz uma outra questão.

Será que a gente cuida não somente do nosso corpo, da nossa alma, do nosso psiquismo? Mas será que alimenta dentro de nós o ser espiritual?

Qual é o alimento do ser espiritual?

Não só o pão e o vinho; posso me nutrir de silêncio, luz, gratuidade.

É por este razão que nas nossas vidas, é muito importante que tenhamos momentos onde a gente não tenha nada para fazer ou dizer. Simplesmente estar ali e acolher o que a vida nos dá: o alimento essencial que fortifica dentro de nós o que eu sou. Que fortifica em nós a presença de Deus.

Se cada dia, nós tivermos momentos de fazer a refeição espiritual, nos nós sentiremos mais nutridos.

Existem também os momentos de estudo, de leitura, onde a gente vai alimentar a nossa inteligência, o encontro, a afetividade. Também deve haver, horários onde se alimenta a vida eterna.

Nutrir o ser essencial. Momentos de silêncio, de simplicidade, de uma simples presença. E às vezes falta apetite, e Jesus vem despertar o apetite pela transcendência. O desejo do essencial que deseja ser alimentado. Bom apetite.

ALMOÇO

Vamos abrir o espaço da escuta e repousar no instante.

Vamos definir o que se entende por cristianismo romano e paulinismo. Em sua origem, a igreja era uma comunidade ou uma comunhão de comunidades.

Havia a comunidade dos Efésios, em torno de S. João, a da Etioquia em torno de São Paulo, a de Roma, em torno de S. Pedro, a de Jerusalém, ao redor de São Tiago, e da Índia, em volta de S. Tomé; tratava-se de uma comunhão de igrejas. Cada uma das comunidades tinha seu texto particular, seus evangelhos, sua liturgia e seu ritual. Depois cada uma das igrejas ficaram estranhas, em relação às outras.

Em um certo momento a Igreja de Roma se separou da comunhão das outras igrejas, que foi o grande cisma em torno do ano de 1.014.

É preciso lembrar que temos um milênio de comunhão. Quando se trata da igreja ortodoxa, é a igreja na sua origem cristã.

A igreja de Roma, sob a influência de Carlos Magno, desenvolveu uma celebração de forma particular: o ritual romano; aqui no Brasil, é brasileiro. É uma maneira brasileira que está em comunhão com a Igreja de Roma, no evangelho, como a de Jerusalém, da Grécia, da Rússia. E assim a gente volta ao princípio do primeiro século.

Jesus foge quando querem faze-lo Deus. “Aquele que crê em mim não é em mim que ele crê, mas sim, Naquele que me criou”. O intuito de Jesus não era criar uma instituição, mas sim, plantar uma vontade de entrar em contato com a liberdade e a dignidade.

Paulo viveu uma experiência forte do Jesus ressuscitado, ele que anteriormente, em determinado momento perseguiu o povo judeu. Houve então no caso de Paulo uma conversão. Aquele que ele perseguia era o povo do mesmo Deus que ele acreditava. Paulo entendeu que é a fé que salva. Jesus nunca pediu que se acreditasse nele. Aquele que escuta a palavra sem colocar em prática é como construir a casa em areia. Jesus convida a transformação interior a partir de uma prática, que é o amor ao próximo. Jesus não diz como uma ordem - Você tem que amar. Se nos forçam a amar isto vai nos impedir de amar verdadeiramente. Jesus nos convida a amar.

Nós conhecemos as palavras de Jesus, mas não conhecemos a música. E a música tem a capacidade de transformar a palavra em nós, numa palavra de esperança.

Um dia você amará com toda a sua alma, todo o seu corpo. Não com o seu coração, mas com todo o seu ser.

Este é o grande exercício que Deus nos propôs. Aprender a amar por nada, livremente, gratuitamente. É isto que transforma o ser humano, transforma a sociedade, transforma a natureza e nossa relação com ela.

Para viver isto, não é preciso entrar numa instituição. Basta escutar o desejo que o espírito coloca no nosso coração, não é preciso de instituição.

Em toda a comunidade há homens e mulheres de santidade, do espírito de Cristo, mas há também manipuladores, que se servem da fraqueza das pessoas para desenvolver o seu poder, e isso é muito perigoso.

Eu penso em uma mensagem muito falada: - Fora da Igreja, não tem salvação.

De que Igreja falamos nós???

Há na Igreja, homens e mulheres cujo comportamento não está em conformidade com o espírito do Cristo. Têm outros que estão longe da Igreja, mas que colocam em prática as informações transmitidas por Jesus. Isto não é propriedade de uma Instituição particular.

As igrejas evangélicas seguem principalmente a orientação de S. Paulo.

Na Igreja de Pedro, se está principalmente na função de expressar sua fé comum. Na origem, a Igreja de Roma não tinha um poder particular sobre as outras igrejas. Jerusalém, sim, tinha uma certa proeminência, bem como a da Antioquia. Se Jesus escolheu o Apóstolo Pedro, não era porque era o mais forte, mais inteligente, mas porque era o mais frágil. Inclusive Pedro, o traiu. Isto é muito importante, porque os que têm o poder da comunidade, não é porque tem mérito ou qualidade, mas porque ele pode manifestar a graça de Deus.

Eu, Pedro, que persegui o povo de Deus, sou o escolhido. O povo de Israel foi escolhido, não por ser um povo especial, mas sim porque era um povo nômade, mas que tinha condições de manifestar o poder de Deus. O povo de Israel era o mais interesseiro, mais carnal e se ele foi escolhido, todos os outros podem ser escolhidos também.

Nós não somos escolhidos por nós, e sim pelos s outros.

A escolha se dá pelo poder de servir e não de dominar, e isto significa ser fiel ao próprio ensinamento de Cristo. Eu sou aquele que serve, dizia Jesus.

Há uma diferença entre homem de poder e homem de serviço.

O Papa deu um grande exemplo, quando pediu perdão aos ortodoxos. Perdão pela perseguição durante as cruzadas, pela inquisição, perdão aos judeus, e por todas as falsas utilizações do poder.

No cristianismo romano, tem os paulinistas e também têm muitos cristãos que estão em comunhão com outras igrejas.

Será que a religião que participo, me torna mais inteligente, me faz pensar por mim mesmo? Ou me faz pensar como um papagaio?

Será que a comunidade com a qual me encontro ela me torna mais inteligente e mais amorosa?

Ou me joga dentro do medo da contaminação e do medo daqueles que não pensam como a gente?

Esta instituição me fecha, me aprisiona, em um pequeno grupo? Como o único bom, ou o único a ser salvo?

Minha comunidade me torna mais livre?

Será que minha comunidade me torna mais simples, mais próximo do que Jesus ensinou e viveu?

Quer eu seja protestante, ou ortodoxo, ou que pertença a outro grupo, ou cristão, será que eu me torno mais humano, um ser humano cada vez mais inteiro?

Se nós queremos viver num mundo cada vez mais humano, nós temos que nos tornar mais humanos, e melhor ainda, tendo uma prática espiritual que nos ajude a nos tornarmos mais humanos.

Pergunta - Não é fácil realizar a vontade de Deus de nos libertarmos do passado, porque vivemos numa sociedade. Então o conflito se torna inevitável. Como encontrar o ponto de equilíbrio. Como evitar a guerra familiar?

Esta questão é interessante, porque ela mostra que a origem da guerra começa nas nossas famílias. Começa nos casais. E se pudermos colocar paz na nossa família, já é um bom começo. Isto pede uma maturidade.

É imaturidade considerar uma opinião contrária, como uma coisa que se opõe a nós. Freqüentemente, quando são coisas muito importantes, a gente sente como uma ameaça, uma opinião contrária.. Não é porque alguém pensa o contrário de mim, que eu não tenho direito de pensar o que penso.

Um sinal de maturidade é: não considere como oposto e sim como complementar, que na mesma família a maneira de amar de um, seja diferente da maneira de amar de outro. Madre Tereza ama diferente dos monges do Tibet, e do eremita que vive no monte Athos.

Marta e Maria estavam perto de Jesus. Marta se ocupava de colocar a mesa, enquanto que Maria estava sentada nos pés de Jesus. Chega um momento que Marta se irrita por estar trabalhando sozinha, enquanto a Maria está só contemplando.

Jesus disse: “Marta você se agita por muitas coisas desnecessárias, Maria escolheu a melhor parte e esta parte não lhe será tirada”. Marta recebeu uma bofetada. Jesus não reprova a Marta de trabalhar. O que ele diz a Marta é que ela se agita e se inquieta. Isto é um bom ensinamento para nós, porque algumas vezes, ficamos agitados pela nossa ação. Tomamos nossa inquietude como alguma coisa de eficaz.

Jesus reclama da agitação e inquietude. Isto é que nos impede de fazer bem o que devemos fazer.

Marta é vesga. Tem o olhar dirigido para duas coisas diferentes: tem um olho colocado sobre Jesus e um olho colocado sobre sua irmã . Perdeu a unidade do seu olhar.

É o que se chama o demônio da comparação. Eu sou melhor, ou sou pior. A comparação é algo que vem semear a separação e a divisão entre nós. Cada um é incomparável. Jesus lembra a Marta que só uma coisa é necessário. O que é necessário é amá-lo, quer seja através da ação ou da contemplação.

Marta e Maria em cada um de nós, são duas polaridades. Em certo momento o amor em nós nos convida ao serviço e a ação, e em outros momentos, ao silêncio e à contemplação ou ao estudo da palavra.

Trata-se de escolher e viver com o melhor de si mesmo. Viver com o melhor de si mesmo é que vai nos permitir viver em paz. Poder dizer ao outro o que eu penso, para mim é o melhor. O melhor pra você é outra coisa e eu respeito. Sua maneira de ser é o melhor para você mesmo.

No evangelho de S.João, é dito: “O verbo se fez carne”. A informação criadora, se faz carne em cada um de nós. Temos uma maneira única de encarnar a inteligência criadora. Uns são mais inteligentes com as mãos, outros com a palavra. Cada um tem uma maneira única de encarnar o amor. Uns são mais carnais e outros mais sensíveis, mais reflexivos.

Vamos respeitar a maneira de encarnar a vida de maneira diferente da minha. Eu reconheço nele, no outro, o que ele tem de melhor.

As religiões deveriam reconhecer o que as outras religiões têm de melhor.

As flores diferentes é que fazem o bouquê bonito.

Eu gosto que você pense diferente de mim. Esta diferença, não nos separa, se você vive com o melhor de si mesmo.

Isto supõe que se tenha ficado interiormente livre do apego. A paz entre nós é possível com a humildade. O outro tem uma parte da verdade que complementa a minha verdade, que enriquece a minha verdade e assim, poderemos viver em conjunto uma vida melhor.

Retomaremos o Pai Nosso.

Após haver reconhecido em nós a Fonte do Ser, e despertado em nós esse desejo, o seu nome, o seu amor, seja santificado.

Após ter despertado em nós o desejo de liberdade, e que reina em nós o espírito, onde nos tornamos mais independente, do nosso passado, do nosso inconsciente, e de todo esse determinismo que nos constitui.

Depois de abrir o nosso desejo para um desejo mais vasto, o desejo da vida por ela mesma, que é o desejo do amor, qual é a vontade de Deus?

Antes é preciso saber: - O que eu quero realmente?

Será que eu sei o que quero?

Se soubermos o que se quer realmente, na profundidade do nosso ser, a gente não estaria longe do que a gente chama a vontade de Deus. A vontade de Deus é o bem estar de todos os viventes.

Após identificarmos o que nutre em nós o sentimento da vida eterna, chegamos a palavra de Mateus:
 
 
Jean -Yves Leloup - O Pai Nosso - Uma Antropologia do Desejo
Postado por Norma Villares

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